Por Vivianne Nunes
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Enquanto aguardam a saída, assistem vídeos infantis e se divertem com a famosa Galinha Pintadinha |
Quem acompanha o atendimento dado às crianças no Cotolengo
nos dias de hoje talvez nem possa imaginar que há vinte anos atrás o cenário
era bem diferente. O carinho e os cuidados, certamente eram os mesmos, mas a
infra-estrutura não. Os meninos e meninas com paralisia cerebral eram atendidos
debaixo da sombra das mangueiras que haviam no terreno que tem aproximadamente
300 metros quadrados. E quem nos conta essa história, fala com conhecimento de
causa. Valentim Calegaro, 66 anos, é voluntário da obra desde antes de sua
fundação e ajudou, com o trabalho que ele chama de “trabalho de formiguinha”, a
chegar onde estamos, comemorando 20 anos de história. “Pra começar que o
terreno estava invadido e foi uma longa briga na Justiça pra gente conseguir
tomar a posse dele”, conta dando início ao relato.
Calegaro é serralheiro, pai de quatro filhos e avô de dois
netos. Em nossa conversa, ele cita tantos outros nomes importantes da história
do Cotolengo em Campo Grande, como o do padre italiano André Giuseppe Sclaglia,
que também participou do processo e do casal Hernani e Gisela (In Memorian). “Ela
foi uma grande mulher, doou 24 horas do seu dia pra cuidar dessas crianças”,
lembra Valentim. Pra ele, cada voluntário que participa ou participou da obra
são importantes e fazem parte dessa história, pois foi graças a eles que as
instalações puderam ser construídas.
Depois de todos esses anos, os olhos azuis do Seo Valentim
ainda enchem de lágrimas ao lembrar das dificuldades que passaram. “Uma vez fui
levar uma cesta básica para uma família no Natal. Quando cheguei, ouvi aquele
chorinho e fui entrando. A casa estava vazia e lá no quarto eu vi aquela
criança em uma espécie de cercadinho de pau à pique. Ele estava sozinho e
estava sendo picado por formigas. Peguei ele nos braços e levei dalí.”, lembra
emocionado. O voluntário conta ainda,
que antigamente os pais precisavam trabalhar e não tinham com quem deixar as
crianças, mas também não tinham a consciência de que eles não poderiam ficar
sozinhos. Hoje em dia, com o atendimento do Cotolengo, isso mudou muito. Ainda
há muitas crianças na fila de espera, mas as famílias também são mais conscientes
sobre esse atendimento especial que precisam. Claro, ainda falta muito para que
seja o ideal, mas o fato é de que muita coisa mudou em vinte anos.
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Valentim Calegaro e seus 20 anos de Cotolengo |
Pedra Fundamental
Quando houve a inauguração do atendimento 20 anos atrás,
houve também uma cerimônia com missa e a apresentação da pedra fundamental. Lá,
foram guardadas moedas de vários países representados por padres que vieram ao
evento. Haviam moedas da Itália, Argentina, Espanha e de outros países. Eram 25
no total. Mas segundo o relato do voluntário, no dia seguinte quando chegaram,
a pedra fundamental tinha sido removida e saqueada. Até hoje não se sabe se
isso aconteceu há mando de alguém por conta da situação do terreno que antes
era invadido, ou se foi apenas um roubo comum. O fato é que parte das moedas
foi encontrada com alguns menores que moravam na região e devolvidas ao local
onde também foram colocadas cartas e imagens. “Haviam imagens em bronze e
outras muito bonitas de outros Países mas essas a gente não conseguiu de volta”,
lembra Valentim.
Voluntariado
E quando a gente caminha pela instituição durante o dia,
pode observar o atendimento prestado com muito amor. Não se vê cara feia, nem
reclamação. Ao contrário, pessoas trabalham ali, dedicando não apenas o seu
tempo, mas de fato, um pedaço do seu coração. Para seo Valentim, que é a pessoa
que me acompanha nessa passagem pela instituição, o primordial para atuar na
obra é ter amor e alegria. “A gente tem que vir pra cá com o coração feliz e
pronto pra ajudar, não pensando que é uma obrigação!”, afirma. Ele nao tem contato
direto com as crianças. É um dos voluntários que trabalha na infra-estrutura
dos eventos. “Não levo jeito pra lidar diretamente com eles, mas o tempo que
tenho pra me dedicar aos eventos, sempre estou por perto e faço questão de
encaminhar uma carta de agradecimento aos que de alguma forma nos ajudam com
doações”, conclui.
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Professora Diva trabalha há sete anos no Cotolengo |
Atualmente, o Cotolengo conta com a ajuda de apenas sete
voluntários efetivos. Segundo a coordenadora local, enfermeira Ana Lúcia
Jacques Flores Corrêa, são muitos que participam e doam um pedaço do seu tempo
nas festas e eventos para a arrecadação de verba ao Cotolengo, mas no
dia-a-dia, são apenas sete ajudando os cerca de 20 funcionários que atuam de
segunda a sexta-feira. “A gente ainda precisa de muita ajuda, não apenas para
passar o dia com as crianças, mas para lidar na limpeza, na lavanderia onde são esterilizadas as roupas de cama, na cozinha, no jardim. Toda ajuda é sempre
vem-vinda”, afirma.
Em meio à todas elas, muitas histórias de luta se misturam.
Algumas das crianças são cuidadas pelo pai e pela mãe, outras apenas pela mãe e
ainda há aquelas que foram abandonadas de alguma forma e são cuidadas por tios,
tias, avós. O fato é que são crianças totalmente dependentes do cuidado de
terceiros e nem por isso são tristes. “Não gosto de pensar que são tristes,
acho até que são bem felizes, mas cada uma dentro de sua limitação”, afirma
Ana.
No decorrer deste ano, outras histórias serão contatas neste espaço. A experiência de conversar com essas pessoas é enriquecedora e a cada conversa, a gente vê uma lágrima rolando. Seja deles ou minhas. Mas não digo que sejam lágrimas de tristeza. São lágrimas de emoção por saber que o amor de Deus está presente e que é muito bom saber que a bondade divina ainda habita no coração das pessoas.